Medicinas Tradicionais, crenças religiosas e invenções new age

Após a publicação do meu artigo sobre o reiki, no facebook recebi o seguinte comentário de uma das leitoras:

“Engraçado, o seu texto é muito parecido com a opinião de alguns médicos em relação a prática da Acupuntura por não médicos. Cheio de indignação e um certo ódio pelo desconhecido.”[i]

Por várias vezes, este e outros argumentos parecidos foram usados. Especialmente por muitos comentadores defensores das invenções new age. Mudam as caras mas o discurso permanece o mesmo de sempre.

Existe uma certa verdade nestas afirmações. Efetivamente as criticas feitas por cépticos são todas muito parecidas e, muitas vezes, englobam tudo no mesmo saco. Eu pessoalmente não concordo com essa forma de divisão… ou ausência de divisão, entre fenómenos bastante diferentes.

Medicinas Tradicionais, crenças religiosas e invenções new age: os céticos

No título deste artigo uso 3 conceitos completamente diferentes: (1) Medicinas tradicionais (e não alternativas. Este não é um artigo sobre homeopatia) no qual se inclui a medicina chinesa e a medicina ayurvédica, (2) crenças religiosas que neste caso se focará no reiki mas que pode englobar qualquer forma de cura de inspiração divina e (3) invenções new age onde se inclui fenómenos como power balance, stiper, lifewave, energy bracelets, etc…

Creio que esta é a melhor forma de dividir estes grupos de fenômenos sociais porque efetivamente falamos de coisas muito diferentes. Quando englobamos um qualquer fenômeno num grupo é porque ele partilha de uma série de características típicas desse grupo. Essas características irão ajudar-nos a compreender a razão pela qual são fenômenos tão diferentes e que leva a que alguns possam ter algum interesse científico enquanto outros não.

Medicinas Tradicionais, crenças religiosas e invenções new age: características

As características que nos interessam analisar podem ser sumarizadas da seguinte forma:

Medicinas tradicionais:

1 – partem da observação da natureza, da análise de sintomas, da concordância entre melhoras observadas e tratamentos aplicados.

2 – as observações clinicas é dado um embasamento cultural, não cientifico, mas não desprovido necessariamente de lógica. Ou seja, uma conjunto de teorias que permitem a uma determinada cultura explicar, diagnosticar e tratar um determinado conjunto de situações clinicas.

3 – não são baseadas em manipulações de terminologia cientifica com intuito de enganar pessoas.

Crenças religiosas:

1 – não partem da observação da natureza, da análise de sintomas ou qualquer outra base observacional ou experimental mas tão somente de experiências espirituais subjetivas.

2 – a essas experiências espirituais é dado um embasamento cultural totalmente desprovido de qualquer conteúdo clinico.

3 – não são baseadas em manipulações de terminologia cientifica com intuito de enganar pessoas.

Invenções new age:

1 – não são baseadas na observação da natureza, nem em inspiração divina (fundamentam-se numa revolta aos valores e história das religões estabelecidas). O seu fundamento é o lucro rápido numa cultura consumista.

2 – procuram manipular conceitos culturais asiáticos de forma a adaptarem-se a crenças pré-definidas (neste caso vitalismo setecentista).

3 – são baseadas em manipulações de terminologia cientifica com intuito de enganar as pessoas.

Medicinas Tradicionais, crenças religiosas e invenções new age: discussão

Observando estes 3 pontos podemos observar que falamos de 3 coisas completamente diferentes. As crenças religiosas e as invenções new age partilham a característica comum de não terem nascido de um conjunto de observações clinicas.

De resto são diferentes. O reiki tem uma origem claramente religiosa enquanto as invenções new age têm um fundamento claramente financeiro. Um foi feito para satisfazer as crenças religiosas do seu fundador e seguidores, os outros foram criados para dar dinheiro rápido aos seus “inventores”.

As medicinas tradicionais, por seu lado, nasceram da necessidade que os povos tinham de se proteger das doenças ou de aliviar o sofrimento existente.

As explicações oferecidas por cada uma são completamente diferentes. As medicinas tradicionais oferecem um conjunto de explicações definidas culturalmente (e obviamente sem credibilidade científica) mas com valor clinico (os praticantes destas medicinas são capazes de compreender os sintomas do paciente e prescrever tratamentos de acordo).

Por seu lado o reiki oferece um conjunto de explicações de índole religiosa e as invenções new age inventam explicações mutilando o significado de termos científicos e aproveitando-se da ignorância científica das pessoas.

O resultado final é a aceitação parcial das medicinas tradicionais (medicina tradicional chinesa e medicina ayurvédica por exemplo) por parte dos meios científicos, a recusa em aceitar tratamentos com base em conceitos religosos (reiki) e o total desprezo pelas pseudo-invenções new age (lifewave, stiper, power balance, medicina quântica, etc…)

Homeopatia e Osteopatia não são medicinas tradicionais

De notar que, neste artigo a homeopatia e a osteopatia não foram incluídas. A razão é simples. Nenhuma delas é uma medicina tradicional, nenhuma é uma invenção new age típica do século XX ou XXI e não tem conotações religiosas suficientes para poderem ser consideradas no âmbito das crenças religiosas.

Não considero com isto que a homeopatia e a osteopatia possam ser englobadas no mesmo grupo. São coisas muito diferentes. A osteopatia é baseada em princípios biomecânicos sólidos e, das chamadas terapêuticas não-convencionais é aquela que possui maior prestígio. Por seu lado a homeopatia é um dos primeiros produtos new age, com princípios que violam por completo o nosso conhecimento científico (mas definidos numa época diferente com um conhecimento disponível diferente) e não possui o mínimo de credibilidade científica e/ou clínica.

Conclusão sobre medicinas tradicionais, crenças e new age

As medicinas tradicionais, as crenças religiosas e as invenções new age possuem origens diferentes, com explicações cujas naturezas nada tem em comum e com um resultado final de aceitação científica obviamente diferente.

As medicinas tradicionais estão a oferecer novos tratamentos à medicina do século XXI e novos conhecimentos necessários ao desenvolvimento da mesma, sempre sobre o domínio do pensamento científico. Vários exemplos são possíveis: estudos com fitoquímicos radioprotetores e/ou radiosensibilizantes, acupuntura no tratamento da dor, estudos neurofisiológicos da acupuntura para depressão, desenvolvimento de novos medicamentos, etc…

As crenças religiosas e as invenções new age não estão a conseguir oferecer absolutamente nada ao conhecimento humano. As crenças religosas oferecem consolo a quem nelas acredita e as invenções new age oferecem dinheiro a quem as vende.

A base clinica das medicinas tradicionais implica que com as ferramentas certas é possível despir toda a linguagem cultural e compreender os mecanismos de funcionamento das suas terapêuticas (assim como definir quais dessas terapêuticas são realmente válidas e para que tipo de problemas serão válidas).

A base religiosa das crenças religiosas ou a base de lucro rápido das invenções new age torna-as belas para quem acredita e lucrativas para quem vende. Mas não possuem efetivamente nenhum valor objetivo clinico ou cientifico.

As medicinas tradicionais farão parte da medicina do futuro. Mesmo quando as suas explicações mais tradicionais sejam abandonadas ou o seu conhecimento desenvolvido e adaptado por métodos científicos. As invenções new age vão aparecendo e desaparecendo consoante as modas (como tem acontecido ao longo da segunda metade do século XX e princípios do século XXI) e o génio mercantilista dos seus vendedores e as crenças religiosas vão sobrevivendo na medida de conseguirem manter um bom número de seguidores.