Ambientalistas são contra químicos

Não raras vezes se ouvem críticas aos medicamentos ocidentais porque são “químicos”, ou seja são artificiais, enquanto os produtos naturais são os melhores para a saúde porque são… naturais. Não tem químicos. Este discurso, pretende chamar a atenção do ouvinte para uma experiência de vida mais natural… o que para alguns é o mesmo que dizer: mais holista.

Esta afirmação é uma versão ambientalista da já longa luta vitalismo versus mecanicismo que afeta as medicinas complementares. Se nos textos sobre tradução do Qi se abordava o problema do desenvolvimento da ciência (mecanicismo) versus crenças esotéricas (vitalismo) nesta afirmação está subjacente a luta entre desenvolvimento da tecnologia (artificial – de origem humana) e “desejo de voltar a pertencer à natureza” ou o regresso a uma “fase da nossa existência mais ecológica”.

A conclusão é lógica: a ciência e a tecnologia não são capazes de nos proporcionar uma boa vida, uma vida saudável, uma vida plena. Em vez disso enche-nos de químicos e nem faz desaparecer aquela saudade nostálgica de nos aproximarmos da natureza. A frase exposta no título indica que o movimento das medicinas alternativas é um movimento que se identifica com os movimentos ambientalistas (tenham ou não razão). Para eles, o ambiente é uma vitima das actividades do ser humano que se deixou apaixonar pela fascínio da ciência e o bem estar providenciado pela tecnologia. Muito dificilmente reparam que as suas criticas encerram em si um paradoxo.

O paradoxo é simples e pode ser resumido por uma questão: como é possível ao homem ter-se deixado enamorar pelo conforto da tecnologia, pelos benefícios da ciência quando, ao abandonar a natureza, se encontra cada vez mais doente? Adaptando este paradoxo ao título do nosso artigo é possível levantar a questão: como se poderá o homem ter deixado conquistar pelos químicos artificiais quando os “produtos naturais” eram assim tão bons e eficazes?

Misturas ideológicas de ambientalistas e terapeutas

O cinismo deste pensamento é muito semelhante ao cinismo observado nos movimentos ambientalistas. Muitos ambientalistas advogam politicas ambientais cujos custos não estão dispostos a suportar. Muitos dos “holistas naturais” defendem ideias cujas consequências também não estão dispostos a aceitar. Vários exemplos são possíveis: imensas pessoas protestam contra reatores nucleares (um exemplo nefasto da aplicação da tecnologia, destruição do mundo natural, etc…) mas quantas estão dispostas a dispensar exames de Medicina Nuclear, que ajudam a salvar vidas, com base no argumento de que o radionuclido (núcleo atómico que emite radiação) usado, fora obtido em reactores nucleares? Imensas pessoas protestam contra o uso da radioactividade mas quando partem uma perna será que prescindem de uma radiografia? Toda a gente odeia “químicos” mas quando for mesmo necessário quantos é que vão dispensar os medicamentos?

Critica-se a medicina ocidental e a ciência ocidental, mas não se é capaz de dizer NÃO aos imensos benefícios que oferecem. Critica-se a tecnologia mas só quando esta providencia o conforto necessário.

Nunca deixo de pensar que a maioria das crenças existentes no seio das medicinas alternativas não expressam mais que uma dificuldade de adaptação à própria cultura. As críticas constantes aos sucessos da ciência, a procura de respostas noutras culturas que não as ocidentais, o desejo nostálgico de voltar a um tempo passado onde o contacto com a natureza era maior parecem-me ser sintomas de um desajustamento cultural. Uma insatisfação de concretização pessoal na sociedade em que vivemos.

Mas também demonstram uma ignorância científica alarmante tanto para os padrões do que se desejaria para uma sociedade evoluída do século XXI como para os padrões que seriam minimamente exigidos para alguém que torna sua a responsabilidade de tratar de outra pessoa. Especialmente uma pessoa doente.

O mais irónico é que se queremos salvar a natureza, temos de o fazer através da ciência e tecnologia. Se queremos salvar vidas humanas temos de o fazer através do conhecimento e do uso correcto da tecnologia.

O taxol não gosta de ambientalistas

Existe um medicamento muito usado no tratamento de pacientes oncológicos (pacientes que sofrem de cancro) chamado Taxol. Este medicamento vem de uma substância natural extraída de árvores do pacífico (taxus brevifolia). Poderíamos pensar que mais uma vez a natureza nos consegue providenciar tudo aquilo que precisamos. Até concordo que a natureza nos consiga providenciar quase tudo aquilo que precisamos, mas não neste caso.

O taxol é um medicamento sintético, e carinhosamente conhecido como “químico” nos meios das medicinas alternativas. No entanto para se ter taxol suficiente para tratar um paciente com cancro seria necessário abater centenas de árvores. Foi o conhecimento científico que nos permitiu conhecer as potencialidades do taxol e foi a tecnologia ocidental que nos permitiu produzi-lo em altas doses sem aniquilar todas as árvores da espécie Taxus brevifolia.

Mas o taxol é um químico, e obviamente encabeça a lista dos maus da fita. Ainda por cima sendo um medicamento quimioterápico. Isto é da classe dos medicamentos Skeletors nos círculos ambientalistas das medicinas alternativas. Pior não existe. Quem sabe, não começam a surgir grupos no facebook do género “vamos abraçar a energia da árvore taxus brevifolia para tratar o cancro”. Sem dúvida que é suficientemente ambientalista.