Medicinas: o impacto da inovação na tradição

A Medicina Tradicional Chinesa é definida desta forma porque recorre a um conjunto de práticas e conhecimentos que estão moldados pela cultura chinesa. É uma medicina que evolui-o ao longo da história chinesa.

Há quem defenda medicina tradicional chinesa e medicina ocidental por dois pontos de vista diferentes: a MO mais científica, a MTC mais filosófica e tradicionalista.

No entanto a medicina chinesa evolui-o para novas práticas como a acupuntura elétrica e a acupuntura laser…. e surgem novos modelos de raciocínio clínico que nada tem a ver com a parte tradicional da medicina chinesa nem com a sua parte chinesa.

A MTC está recheada de floreados e teorias derivadas de interesses políticos (antigos e recentes), filosóficos e religiosos… na medida que abandona essas práticas e recebe novas terá lógica continuar a ser medicina tradicional chinesa? Ou somente medicina?

As lutas sociais nas diferentes medicinas

Como esta evolução afeta a nossa identidade em termos de classe profissional? Muitos acupuntores acham que são médicos. Algumas escolas passam a ideia aos alunos que são médicos.

Como profissional que estudou medicina chinesa não tive a formação para ser médico nem fiz qualquer exame para entrar na Ordem dos Médicos. Como tal é natural, e legítimo, que os médicos se oponham ao que percepcionam como uma usurpação do seu título.

Eu não sou médico, nem me considero médico. Mas a minha prática clínica diária com acupuntura clínica e métodos de raciocínio clínico baseados em anatomo-fisiologia humana não se adequam minimamente nem à parte “chinesa”, nem à parte “tradicional” da Medicina Tradicional Chinesa.

Neste caso as lutas não tem a ver com a nossa prática clínica diária mas somente com a confusão que se gera entre a evolução da medicina chinesa para uma medicina menos “nacionalista” e mais científica e a procura de prestígio social através do uso de títulos.

A evolução dos conhecimentos das medicinas tradicionais

Neste momento está a desenvolver-se extensa investigação científica nas farmacopeias tradicionais indiana e chinesa de forma a procurar fitoquímicos com capacidades radioprotetoras, radiorecuperadoras e radiosensibilizadoras.

As medicinas chinesa e indiana tem uma vasto leque de plantas, animais e minerais que usam nos seus tratamentos e os estudos pré-clinicos in vivo e in vitro tem dado razão às alegações destas farmacopeias tradicionais. Tanto que elas são a base da investigação.

No entanto, na medida que a investigação se desenvolve e se conhecem os diferentes fitoquímicos de uma planta, as vias de sinalização celular usadas, etc… começa-se a pensar mais em suplementos (que podem ser tomados livremente por qualquer pessoa) ou em medicamentos que são prescritos por médicos e fazem parte do arsenal terapêutico médico.

Ou seja as medicinas tradicionais perdem-se. As medicinas tradicionais são um ponto de partida mas a sua “nacionalidade” desaparece, juntamente com todas as suas particularidades históricas, culturais e sociais e sobra algo científico e universal.

Ou seja na medida que a ciência ajuda à evolução dos conhecimentos tradicionais abandona-se a tradição e criam-se novos campos de saber humanos… que são essencialmente médicos

A China como exemplo

A China é um bom exemplo do que tenho falado. Os cursos de medicina chinesa são dados em faculdades de medicina para alunos de medicina. O Governo chinês fala da medicina chinesa como uma ciência biomédica.

No entanto, os chineses, sendo chineses, são agarrados à sua cultura e tentam associar os novos conhecimentos com os antigos. Mas o resto do mundo não é chinês.

O resto do mundo não vê necessidade em agarrarem-se a conhecimentos antigos, desatualizados e sem suporte histórico-cultural. Isto é mais verdade no Ocidente que por várias vezes fez algo que os chineses nunca fizeram: rupturas grandes com o conhecimento tradicional.

Copérnico, Darwin e Freud são exemplos de pessoas que provocaram ruturas grandes no conhecimento tradicional e construíram áreas completamente novas que não davam espaço para as crenças tradicionais. Einstein acabou com a noção de éter. Os chineses nunca fizeram algo semelhante.

Ou seja, a rutura com a tradição é mais que evidente. Isto vai despojar a Medicina Tradicional Chinesa da sua tradição e da sua nacionalidade.

Com o tempo, quem sabe, serão os chineses a seguir o resto do mundo.

Conclusão

Podemos falar em medicina chinesa sem meridianos? Podemos falar em medicina chinesa sem diagnósticos de vazio de yin? Quando usamos as ferramentas da acupuntura (como sendo a sua agulha) com métodos de raciocínio completamente distanciados da cultura chinesa podemos continuar a considerar que é “Medicina Tradicional Chinesa”?

E se não fazemos medicina chinesa então o que fazemos? Como nos definimos?