Porque faço o que faço?

Eu acabei como acupuntor e osteopata por uma série de acontecimentos históricos, muitos dos quais não tinha qualquer controlo. Mas este artigo não é sobre as condicionantes sociais, familiares e pessoais que me fizeram chegar até aqui mas tão somente porque me mantenho a trabalhar numa dada área quando podia estar a trabalhar noutras áreas.
Porque faço o que faço? Quais os fatores pessoais que me fazem ter um determinado conjunto de valores, lutar por uma determinada profissão ou trabalhar de uma forma única?

Autonomia

Um dos aspetos mais importantes na medição dos níveis de felicidade de uma profissão está relacionado com a sua autonomia.
Com a capacidade de podermos crescer com os nossos erros sem eles estarem constantemente a serem usados como ferramenta de desrespeito por um chefe ou patrão menos sensível. Não estarmos dependentes da inteligência emocional do patrão para saber ser patrão nem sermos vitímas de um patrão que nunca tentou desenvolver as suas capacidades de liderança.
Não estamos limitados pelas fronteiras profissionais impostas por outras profissões. As intervenções que preconizo estão dependentes da minha análise e conhecimento técnico e não da autorização de outro profissional de saúde (um dos problemas com a regulamentação da acupuntura tem a ver com a tentativa constante da classe médica de aniquilar a autonomia profissional desta classe).
Porque a forma como trabalho está adaptada a mim e não dependente de outra forma de trabalho com a qual não me identifico mas que acaba sempre por ser imposta (pensem em limpar a casa com a vossa mulher. Ela tem sempre prioridades diferentes e só as prioridades dela é que estão certas).
Porque sempre fui um pouco individualista e ter uma profissão que me permite respeitar essa individualidade é um fator anti-stress importante.

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Diversidade e criatividade

Estes são dos aspetos mais importantes. Muita da insatisfação profissional vem da rotina. A rotina é necessária até certo ponto mas depois torna-se contra-produtiva. Quantos casais terminam por não conseguirem lidar com a rotina? Quantos trabalhadores sofrem de depressão por não verem sentido na sua profissão?
Na minha prática clinica posso tratar uma paralisia facial e a seguir um paciente com insónia. Posso tratar 3 pacientes com dor no ombro e todos eles exigem abordagens diferenciadas.
Por outro lado quando um paciente se vem tratar comigo é porque, na maioria das vezes, já experimentou uma série de outros tratamentos que não resultaram. O que me orbiga a fazer algo diferente. E por vezes os meus tratamentos não funcionam. O que me obriga a fazer algo diferente.
E é este “algo diferente” iniciado pelo insucesso clinico que me obriga a procurar soluções criativas e a aprender mais. Uma busca constante de novas ferramentas terapêuticas que permitam ter sucesso no futuro onde falhei no passado.
É o complexo de diversidade de problemas e criatividade de soluções que traz um sentido diferenciado à minha prática clinica.

Lógica

Eu posso viver a lógica no dia a dia e posso ter um sistema de crenças e valores assentes nessa lógica.
A criatividade que falei há pouco está assente em princípios racionais de análise neurofisiológica ou biomecânica.
Posso receber um paciente diagnosticado com síndrome do túnel cárpico e, através desses princípios lógicos, compreender todas as interfaces anatómicas do nervo afetado e a forma como essas interfaces afetam o nervo ou são afetadas por outras estruturas.
Um paciente com túnel cárpico trato bem com acupuntura elétrica no nervo mediano e outro trato com exercícios para alterar padrões respiratórios.
Mas é a presença deste princípio lógico, subjacente a qualquer análise que dá lógica ao mundo. Sou um ateu, humanista secular. Não procuro ter todas as respostas (como acontece na religião) mas somente uma capacidade racional de olhar para esse mundo.

Felicidade
É esta trilogia de diversidade, criatividade e lógica que está na base da felicidade que sinto na minha prática e me faz continuar. É a sensação de realização pessoal e o afastamento de qualquer pensamento negativo que o insucesso profissional constante provoca.
A felicidade surge da capacidade de conseguir compreender um mecanismos patológico que até aí me escapava. Surge da capacidade de conseguir resolver problemas lógicos de forma criativa e visualizá-los nas melhorias que os meus pacientes sentem.

Porque sou um pouquinho sádico

Sim é verdade. Inserir agulhas em no corpo de uma pessoa (nervoso, músculos, tendões) exige algum sadismo. Mas é um sadismo construtivo. E alguêm conhece acupuntor ou cirurgião que não seja sádico?
Não devemos ser muito moralistas com as nossas emoções (inveja, alegria, etc…) porque basicamente todos as temos e as sentimos. Devemos usar as nossas caracteristicas de uma forma socialmente construtiva. Se um médico tem um prazer sádico em cortar pessoas porque não deve usar isso para se transformar num cirurgião de respeito e salvar vidas?
Se calhar a diferença entre um osteopata que gosta de manipular cervicais e outro que se afasta das técnicas de impulso é esse sadismo disfarçado de técnica.

Pertença e utilidade

Pela ilusão de pertença a uma sociedade para a qual posso contribuir construtivamente ao mesmo tempo que me valorizo. É a sensação de crescimento pessoal aliado a uma ilusão de comunhão social.
De fazer algo válido que não me faça sentir uma fraude. Pode ser um simples engano. Muitos médicos acham que a acupuntura e osteopatia são fraudes enquanto tratamentos e eu somente racionalizaria as coisas de forma a sentir-me bem. Pode ser.
Mesmo que não seja uma fraude e que os meus tratamentos sejam clinicamente relevantes não implica que exista essa comunhão social.
Sendo ilusão ou não ela é sentida e o facto de ter essa percepção/ilusão que tenho um papel a desempenhar num vasto esquema social é relevante para eu fazer o que faço.

Conclusão sobre as razões pelas quais faço o que faço

Posso colocar em causa o que faço? Claro. Faço isso todos os dias. Mas não é por isso que o deixo de fazer. Existem uma série de características pessoais que definem a razão pela qual faço o que faço. Elas não são boas nem más. Não são qualidades nem defeitos. Não fazem de mim melhor ou pior. São somente fatores causais, de um determinado comportamento social, importantes para a minha definição enquanto terapeuta.
E o leitor faz o que faz enquanto profissional porquê?