Interacção entre medicamentos e plantas medicinais

Em 2004 a OMS (Organização Mundial de Saúde) aconselhou o ensino dos efeitos medicinais de imensas plantas de forma a que pudessem ser usadas de forma segura e consciente. O problema que gerou esta acção por parte da OMS deveu-se precisamente à interacção entre as plantas medicinais “energéticas” e os medicamentos ocidentais “químicos”[i].

Os cientistas sabem que podem existir 2 tipos de interacções entre plantas medicinais e medicamentos, nomeadamente, interacções farmacodinâmicas e farmacocinéticas. Sim, estou a falar daquelas interacções que muitas escolas de medicina chinesa ensinam que não existem.

As interacções farmacocinéticas, têm a ver com a absorção, metabolismo, distribuição ou eliminação dos princípios activos e podem ser devidas a alterações nas suas quantidades disponíveis. Por seu lado a interacção farmacodinâmica tem a ver com a zona/tecido onde o princípio vai actuar. Este tipo de interacções, podem ser agonistas ou antagonistas. Por outras palavras, a fórmula chinesa que usámos pode potencializar o efeito do medicamento ou não.

Os efeitos para o paciente podem ser de 3 tipos: nulos (não faz efeito), benéficos (potencializa o efeito de um determinado medicamento) ou nefastos (inibe o efeito ou potencializa em demasia o efeito de um ou mais medicamentos ou então cria um efeito tóxico no organismo)[ii].

Alguns exemplos, dentro da fitoterapia ocidental, são bem conhecidos:

1 – O agrião (Nasturtitium officinale), o aloés (Aloé vera) e o alcaçuz (Glycyrrhiza Glabra) aumentam os efeitos da digoxina.

2 – A alfavaca (Ocimum basilicum) aumenta os efeitos de medicamentos hipoglicemiantes.

3 – O alho (Allium sativum), a angélica (Angelica officinalis), o gingko biloba (Gingko biloba), a camomila (Matricaria recutita) e o Ginseng (Panax quinquefolius) potencializam o efeito de anticoagulantes. O ginseng ainda apresenta outro problema: em pacientes que tomem inibidores da IECA (Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina) desencadeiam produção de efeitos tóxicos no organismo.

4 – a Hortelã-pimenta (Mentha piperita) potencializa a acção de medicamentos anti-espasmódicos.

Existem todo um conjunto de interacções conhecidas e devidamente comprovadas e explicadas[iii]. Ainda há pouco tempo, uma leitora do blogue colocou uma questão, no texto sobre a droga Angelica Sinensis. Escreveu a leitora:

“Boa tarde gostaria de saber quem teve trombose venosa profunda pode tomar Angelica Sinensis”[iv]

Esta é uma questão interessante. Efectivamente a Angélica Sinensis é útil no tratamento de problemas como a trombose venosa profunda. No entanto os pacientes com este problema são acompanhados por médicos e o tratamento base está associado ao uso de medicação com propriedades anti-coagulantes. A Angelica sinensis potencializa o efeito da medicação anticoagulante e se este efeito não for bem controlado pode tornar-se negativo para o paciente. Da tendência para formar trombos à tendência a sofrer hemorragias vai uma pequena distância… a não ser que as drogas naturais só intervenham a nível energético.

Medicamentos, sintomas e medicina chinesa

O diagnóstico da MTC é baseado na presença de sintomas e sinais clínicos e na relação que estes formam entre si e entre outros factores causais que podem ser externos ao paciente (desde a exposição ao frio a vizinhos irritantes). Mas contam principalmente os sintomas e toda a complexa rede de relações que podem formar.

Assim podemos ter pacientes que apresentem dor mais pronunciada nas articulações dos membros inferiores, acompanhada com sensação de peso e sensibilidade a alterações atmosféricas com agravamento nítido em períodos mais húmidos e edema nos joelhos e tornozelos. Num paciente com este tipo de sintomas não seria difícil diagnosticar dor por Humidade. Agora podemos supor que apesar do paciente não referir relações certas entre agravamento dos sintomas e exposição a frio ou calor ele nota que a urina se encontra muito escura. Neste caso temos um sintoma que se pode dever à presença de calor. É comum muitos pacientes que sofrem de humidade-calor no AI (Aquecedor Inferior) apresentarem este conjunto de sintomas, onde se nota uma relação entre sintomas urinários e sintomas dolorosos.

Medicação ocidental e a forma como pode afetar o diagnóstico da medicina chinesa

Antes de continuarmos permitam-me contar uma pequena experiência pessoal. Recentemente tive uma infecção num dente. Apesar das dores serem horríveis conseguem desaparecer com uma boa combinação de nimed, clonix e acupuntura (e não, para mim clonix não é suficiente para tirar as dores todas. Nem me deixa a dormir.). Notei, no entanto, que apesar de não alterar os meus hábitos hídricos a urina tinha escurecido bastante. Na altura também tomava um antibiótico, mas para o nosso exemplo, vamos supor que o escurecimento da urina se devia à toma do nimed.

Agora permitam-me fazer uma questão de estudo: sabendo que o nimed escurece a urina (é uma suposição que será considerada como facto neste artigo, a título de exemplo) e que o nosso paciente toma nimed para a inflamação articular (não sou médico. A título de exemplo consideremos que o nimed pode ser usado para este tipo de problemas!) posso considerar a urina escura como parte do padrão clínico do paciente ou como um sintoma secundário sem valor semiológico? Um sintoma que facilmente se tratará aconselhando o paciente a beber mais água e que em nada irá influenciar a nossa acção futura?

Um diagnóstico de Humidade-Calor implica a prescrição de drogas com capacidade para drenar humidade e de eliminar calor. Mas e se não existe calor associado ao padrão clínico? E se o escurecimento da urina é, tão somente, um fenómeno secundário à toma do nimed e nem deveria receber atenção da nossa parte ao prescrevermos as fórmulas chinesas?

Este é um exemplo fictício (há muitos dados que são suposições) mas que tem relevância pela probabilidade real de ocorrer. Qualquer pessoa que tenha tratado pacientes hipertensos e tenha palpado o pulso antes e depois da toma da medicação notou certamente diferenças enormes. A toma de medicação ocidental para a hipertensão altera significativamente o pulso. Sendo o pulso uma das fontes mais importantes de sinais clínicos na MTC qual a sua relevância semiológica em pacientes hipertensos e medicados?

A medicação ocidental também pode ser acompanhada de grandes efeitos secundários que por sua vez serão contrabalançados com novos medicamentos que irão ter outros efeitos secundários e que poderão alterar, em muito, os sinais clínicos e as características próprias dos sintomas. A questão que se segue é esta: neste contexto onde os sintomas e sinais clínicos estão obviamente alterados devido à presença de imensos princípios activos, provenientes dos medicamentos, será seguro prescrever fórmulas tradicionais com base nos nossos diagnósticos? Esta questão é tanto mais relevante na medida que existem pacientes que se vão consultar com pessoas da área e tomam 6 a 7 medicamentos. Já tive colegas a descreverem-me pacientes que tomavam 14 medicamentos. Se a memória não me falha este é o recorde.

Conclusão sobre interação entre medicamentos e plantas medicinais

Este tipo de reflexões, deveriam ser dispensáveis quando “sabemos” que a medicação ocidental e fitoterapia chinesa não interagem, pois uma trata a nível químico e outra a nível energético. No entanto elas são reflexões válidas e deveriam deixar as nossas antenas holistas em sentido. Efectivamente estão descritos casos onde a toma conjunta de fitoterapia e medicação prejudicou o paciente.

O grave é que nas áreas das medicinas complementares (Terapêuticas Não Convencionais) estas interacções não só não são conhecidas como a sua existência é negada. Isto deveria estar na primeira linha de ensino nas escolas de Medicina Chinesa e Fitoterapia. A conclusão continua idêntica: cultura científica e bom senso estão em falta no seio das Terapêuticas Não Convencionais.

NOTAS FINAIS


[i] http://www.ebah.com.br/interacao-planta-mediamento-halopata-pdf-a13562.html

[ii] http://www.ebah.com.br/interacao-planta-mediamento-halopata-pdf-a13562.html

[iii] http://www.fitoterapia.com.br/portal/index.php?option=com_content&task=view&id=77&Itemid=64

[iv] http://acupuntura.blogas-pt.com/dang-gui-radix-angelica-sinensis/#comment-5501