Apologia da estupidez
Depois da apologia da loucura só podia mesmo vir a apologia da estupidez. Já sei que muitos leitores se irão sentir extremamente ofendidos com as linhas que se seguem. E caso sofram de algum tipo de alergia anti-new age não aconselho a continuarem a ler este artigo. Mas sinceramente não consigo ser simpático com um determinado nível de estupidez.
Recentemente encontrei um panfleto que divulgava um curso intitulado “Evolução da Consciência”. O panfleto tinha 4 paragráfos de verborreia esotérica que achei simplesmente deliciosa e não me pude conter a partilhar com os leitores estas dádivas da literatura new age.
Apologia da estupidez: do Big Bang à cultura auto-criada
No primeiro parágrafo é-nos indicado que:
“Há 14 mil milhões de anos, o universo foi criado numa explosão de luz e energia que lentamente se transformou em matéria, depois em vida, depois em consciência e cultura e, por fim, em ti próprio… um ser humano com o poder de auto-reflexão e liberdade de escolha”
Em primeiro lugar fico muito feliz por saber que o Universo foi criado e não se criou a si próprio. Só gostaria agora de saber quem foi o seu criador e em que tipos de provas nos podemos basear para fazer essa afirmação. Ou se calhar é melhor somente misturar um pouco de divulgação científica rasca como “explosão de luz e energia” misturada com tiradas que implicam a existência de algo mais que facilmente se associa a uma qualquer entidade espiritual.
Vamos, só a título de exemplo comparar as duas frases que se seguem sendo a primeira retirada da citação acima e a segunda retirada de uma página do Google da autoria de Yuki Takawashi, um aluno do 3º ano, de física e astronomia no California Institute of technology:
“o universo foi criado numa explosão de luz e energia”
Ou
“the universe began by expanding from an infinitesimal volume with extremely high density and temperature.[i]”
“O universo começou por se expandir de um volume infinitesimal com uma densidade e temperaturas extremas”.
Facilmente uso a primeiro frase para manipular a ciência de forma a usar o seu prestígio e fazer as pessoas acreditarem naquilo que simplesmente não tem fundamento.
Em segundo lugar o facto absolutamente milagroso que o ser humano surgiu após a cultura. Eu não sabia, nem ninguém com mais de 2 neurónios comunicantes, mas pelos vistos o ser humano só surgiu depois da consciência e da cultura. Fica a questão de saber quem é que criou a cultura. Por exemplo quem terá sido que criou a cultura chinesa? Os chineses não podem ser… eles são o caminho final e surgiram só depois da sua cultura.
E a cultura portuguesa? A Maia? A Inca? Começa a ser muito filho órfão…
Apologia da estupidez: evolução egocêntrica
Depois vem o segundo parágrafo onde se encontra escrito:
”Alguma vez pensaste sobre o que significa viver no limiar da evolução – tanto quanto sabemos, a expressão mais desenvolvida de um cosmos tornando-se consciente de si mesmo?”
Eu poderia contestar esta pérola com algo do género “alguma vez pensaste em como algumas questões absolutamente inúteis e sem sentido te fazem sentir tão bem?” porque efectivamente é disso que estamos a falar.
Neste momento passámos de astrofísica para biologia evolutiva e fica-me sempre na cabeça o que é que realmente significa “limiar da evolução”. Que raio de sentido é que esta frase tem quando pensamos em termos evolutivos?
E o que significa “a expressão mais desenvolvida de um cosmos tornando-se consciente de si mesmo?” Isto é uma diluição de astrofísica, neurobiologia e psicologia em diarreia new age. E até acredito que seja uma diluição homeopática porque ciência nem vê-la.
Mas é sempre bom ver como estes meios apelam para o egocentrismo humano. A religião católica colocava o nosso calhau no centro do universo, o homem como o resultado de uma criação divina e Peter Bampton parece transformar o homem no universo em si mesmo. Nada como um egocentrismo desmesurado para colocar os imbecis a acreditarem nas nossas patacuadas.
Apologia da estupidez: a descoberta interior
A melhor parte de toda a publicidade feita é o terceiro parágrafo onde o autor escreve:
“Estás pronto para descobrir como participar consciente e criativamente no processo que te deu forma?”
Mas que processo é esse? Se falamos no big bang, como parece explicito no 1º parágrafo, então tenho a dizer que num espaço tão fechado e quente não consigo ser criativo. E após o meu corpo ter sido reduzido a fotões não creio que a minha consciência me vá ajudar muito.
Se falamos no processo que me deu origem a mim próprio então vão-me desculpar mas nem consigo pensar nisso. E acho que os meus pais me iriam agradecer a não aplicar a minha criatividade nesse momento particular de tamanha importância histórica.
Apologia da estupidez: descobrir o caminho
Finalmente o último parágrafo:
“Neste curso irás descobrir um novo caminho espiritual, uma prática e filosofia para os nossos tempos – abrangendo a liberdade intemporal do despertar espiritual, a vastidão deste cosmos em evolução e, mais importante, a enorme responsabilidade que cada um de nós tem para o seu futuro.”
Eu pessoalmente não posso ir porque se incompatibiliza com as minhas aulas de salsa. E sinceramente não sou muito apologista de estupidez.
[i] http://www.ugcs.caltech.edu/~yukimoon/BigBang/BigBang.htm#Author
É muito revitalizador ler os seus artigos. Continue!
Obrigado Marta
Boa tarde, fiquei fascinada em lêr alguns dos seus artigos, porque escreve de uma forma transparente como a água e vai ao fundo da questão.Gostaria de ler alguns artigos relacionados com o REIKI, se não for pedir muito .Obrigada
Cumprimentos cheios de energia
Sofia lopes
Obrigado Sofia
Eu já tive uma discussão enorme sobre reiki há uns anos atrás num forum de medicina chinesa que creio já não existir.
entretanto acabei por nunca publicar nada aqui no blogue. fica a promessa que de futuro irei planear um artigo sobre esse assunto.
Evidentemente vou deixar muitos praticantes de reiki bastante chateados… ou muito energéticos. hehehehe
abraços
Certamente esta no extremo oposto