Medicação médica, energias e medicina chinesa

Algumas pessoas são ensinadas que a matéria médica chinesa não interage com a medicação médica, porque trata dos “desequilíbrios energéticos” do corpo enquanto que a medicação médica trata a nível químico.

Infelizmente, o termo “energético” abunda no discurso holista da MTC no ocidente. Já aqui falei sobre esse assunto e não me irei pronunciar muito mais a não ser para dizer uma coisa: quem fala em síndromes energéticos ou acção energéticas fundamenta todo o seu discurso na mutilação de termos da Medicina Chinesa o que obviamente acaba por enviesar toda a sua análise futura. E isto não é uma crítica aos profissionais que assim são ensinados mas aos professores e profissionais que assim ensinam.

Basta olhar para a diferenciação de padrões clínicos e para a classificação da matéria médica para ver que ela se baseia essencialmente em classificar sintomas e catalogar drogas específicas para esse tipo de sintomas. Um estudo recente (Phytochemical Informatics of Tradicional Chinese Medicine and Therapeutic Relevance), por exemplo, mostrou que existia uma correlação muito forte entre a presença de determinados compostos químicos e a classificação de drogas em MTC.

Não deveria ser necessário um estudo destes para nos dizer que, se as drogas de Medicina Chinesa tem efeito no organismo é porque têm nelas compostos químicos que interagem com a bioquímica do corpo. Este estudo é importante particularmente porque nos mostra que existe uma chave bioquímica por trás da classificação de drogas usada na medicina chinesa. Este facto deveria ser suficiente para nos abrir os olhos para novas investigações no tratamento de doenças e na procura de mecanismos fisiopatológicos que nos possam ter passado despercebidos.

Outro facto muito simples e que deveria deixar muitos acupunctores a pensar é este: a matéria médica chinesa (uso de produtos de origem animal, vegetal e mineral com propriedades terapêuticas) é ou não é usada para tratar ou prevenir o aparecimento de efeitos secundários da quimioterapia? Se sim, então como é isto possível, uma vez que nós tratamos os desequilíbrios energéticos enquanto que a quimioterapia ou a medicação médica trata a nível químico? Como é tal possível, se o efeito energético das drogas chinesas não interage com o efeito químico da medicação médica? É impressionante a forma simplista como muitos holistas energéticos, no seio da medicina chinesa, se contradizem.

Outro exemplo óbvio é o facto de se fazerem medicamentos a partir de plantas ou produtos animais usados em farmacopeias tradicionais, nas quais se incluem as drogas de medicina chinesa. Quem não sabe que a aspirina é proveniente da raiz do salgueiro? Quem não sabe que existe uma vasta gama de medicamentos feitos a partir de produtos de origem vegetal ou animal? Como é isto possível se as drogas da MTC (também chamadas plantas medicinais) tratam a nível energético e os medicamentos ocidentais a nível químico? Pensamentos tão básicos como este provam de imediato, que cultura e bom senso estão em falta no seio das Medicinas Complementares.

Para já, neste artigo, só é importante, o leitor ter consciência de que efectivamente as drogas tradicionais chinesas possuem princípios activos que podem interagir com os princípios activos dos medicamentos ocidentais. E não é um discurso oco, assente em termos engraçados como holismo ou energia, que vai alterar a coisa. No entanto, neste artigo, não interessa somente se os princípios activos dos medicamentos ocidentais podem interagir com os das drogas chinesas, mas também compreender a dinâmica clínica da sua relação. Nada melhor que exemplos práticos.