Ser médico tem a grande vantagem de ter um bom ordenado e um futuro promissor pela frente. Também tem a vantagem de ser uma profissão à qual se encontra associada um enorme prestígio social. De tal forma que imensas pessoas vão para as faculdades de medicina mais pelo prestígio, que decerto vão ter, e pelo dinheiro, que provavelmente irão ganhar, do que propriamente dito pela vocação para a prática da profissão.

Eu sou um dos que critica as faculdades de Medicina por dar uma atenção extremamente grande a fatores como as notas do secundário e desprezar outros parâmetros como a vocação para o exercício de uma determinada profissão. Exige-se dos médicos uma capacidade intelectual enorme, mas não se exige deles uma abordagem humana semelhante.

O leitor não estranhará nada do que escrevi nas linhas acima. Decerto que já conheceu casos de amigos, familiares ou amigos de amigos – quem sabe inimigos – onde se abordou este problema. Em Portugal o que conta é o estatuto.

E o doente? Motivos para entrar na medicina chinesa

Felizmente que na maioria das vezes o campo da Medicina Chinesa se encontra livre destes problemas. Algumas pessoas menos informadas ainda podem pensar que depois de tirar o curso poderão ser médicos, mas essas dúvidas desaparecem em 5 segundos. Outras até poderão achar que o facto de tratarem pessoas faz delas médicas. Mas isso não é mais que o seu desejo pessoal.

Muitas das vezes estão associada a esta área uma grande aura de charlatanice – e muitas vezes a carapuça serve mesmo bem na cabeça! – e, para muitos profissionais de saúde ou potenciais doentes, somos mesmo considerados puros charlatões. Portanto, não há o problema de ter alunos que procuram o prestígio.

Infelizmente isso não significa que não existam problemas. Se muitas pessoas se inscrevem em cursos de Medicina Ocidental para satisfazerem o seu ego, outras procuram os cursos de Medicina Chinesa para procurarem o seu desenvolvimento espiritual.

Na ESMTC (Escola Superior de Medicina Tradicional Chinesa), além das cadeiras de acupuntura, também lecciono uma cadeira intitulada Arte da Saúde e Longevidade (ADSL). Nesta cadeira ensino qual é o pensamento base da Medicina Chinesa e como se pode aplicar no dia a dia. É uma cadeira simples e introdutória que me permite ter um primeiro contacto com os novos alunos da instituição.

E o doente? A procura interior do terapeuta.

Nas primeiras aulas pergunto sempre aos alunos a razão que os levou a entrarem no curso. Por mais de uma vez e em anos diferentes ouvi a resposta: “quero aumentar o meu desenvolvimento espiritual”. Esta atitude até pode parecer muito nobre e inofensiva, mas para mim representa um ponto de partida péssimo.

Péssimo, na medida que, na maioria das vezes, procurar um “desenvolvimento espiritual” não é mais do que procurar construir um conjunto de crenças imunes a qualquer cepticismo, a qualquer pensamento crítico.

A minha questão, e a interrogação que todos os leitores deveriam fazer é simples: entre a procura de estatuto social ou a procura de desenvolvimento espiritual onde é que fica o doente? Qual a importância que se dá ao doente quando o médico/terapeuta está mais preocupado com a sua insegurança social ou a sua insegurança espiritual?

Parece-me a mim que quem procura inscrever-se em cursos de saúde, deveria ter como objectivo final, acima de tudo, o bem estar do paciente. O desafio de conseguir curar uma pessoa, de conseguir aliviar os seus sintomas oferecendo maior qualidade de vida, a capacidade de a auxiliar nos momentos mais difíceis deveria ser o motor principal dos profissionais de saúde. O doente, para muitos futuros e atuais profissionais parece ser a parte menos relevante da equação.