O Destruidor da Classe

O Destruidor da classe: carta aos acupuntores mais novos

Em 2018 alguém me intitulou “o destruidor da classe”. Pelos vistos eu provoquei danos irreparáveis à profissão e à classe de acupuntores.

Será esta uma acusação justa e historicamente justificável ou uma forma infantil de bullying social?

Para um acupuntor novo estas acusações podem ser desafiantes.

Vale a pena investir numa área que já foi destruída?

Como garantir o seu futuro quando provavelmente o “destruidor da classe” já o destruiu?

Este artigo é uma resposta racional a uma forma de bullying social. Mas também é uma carta aos mais novos.

A forma como decidirem usar as informações abaixo em proveito próprio depende de vocês.

Destruidor de classe: a formação aos fisioterapeutas

Descobrimos, por alguns terapeutas, que as formações dadas a fisioterapeutas são a destruição da nossa profissão.

Eu, como outros colegas, somos visados por dar (no presente ou no passado) cursos de acupuntura a fisioterapeutas.

Nós fizemos muito mal à profissão, somos os principais responsáveis pelas dificuldades dos acupuntores hoje em dia, a causa principal das dificuldades dos colegas e da falta de crescimento da classe profissional.

Será que a nossa classe está condenada ao fracasso por causa das ações de um acupuntor?

Factos históricos...

Existem uma série de factos históricos que contradizem a narrativa do "destruidor da classe".

Senão vejamos. Antes de eu começar as formações de acupuntura para fisioterapeutas:

1 - já existiam "licenciaturas" com um fim de semana por mês numa sala de hotel e a profissão continuou a crescer;

2 - cursos de naturopatia onde se ensinava (?!) acupuntura e a profissão continuou a crescer;

3 - os mestrados para enfermeiros em Évora e a profissão continuou a crescer;

4 - as pós-graduações para médicos e a profissão continuou a crescer;

7 - os fisioterapeutas começaram a aprender punção seca e outras técnicas de acupuntura, no estrangeiro, e a profissão continuou a crescer;

7 - os fisioterapeutas foram buscar acupuntores e fisioterapeutas lá fora para darem cursos em Portugal e a profissão continuou a crescer;

8 - os podólogos começaram a fazer acupuntura e a profissão a crescer;

Mas parece que a classe não resistiu a um acupuntor português ter dado cursos de acupuntura a fisioterapeutas.

Formações de Osteopatia...

Na mesma forma que os cursos de acupuntura para fisioterapeutas e outros profissionais de saúde cresceram também cresceram os cursos de osteopatia.

Qualquer empresa tem formações diversas com técnicas de osteopatia.

Mas se o destruidor da classe nunca deu formações de osteopatia, como se explica isto?

Pode ser que o aumento de formações de acupuntura, tal como as de osteopatia, esteja relacionado com uma dinâmica social mais complexa que não se explica com análises simplistas e bodes expiatórios?

O exemplo Inglês

Um exemplo que alguns acupuntores gostam de usar vem de terras de sua majestade, onde os fisioterapeutas começaram a aprender acupuntura e tiraram trabalho aos Acupuntores.

É comum encontrarmos clínicas a procura de fisioterapeutas com formação em acupuntura.

Logo, ensinar acupuntura a fisioterapeutas destrói a profissão. Quod erat demonstrandum.

Mas os fisioterapeutas também aprendem técnicas de Osteopatia. Porque é que os osteopatas não estão sem emprego?

Porque é que os osteopatas tem emprego bem pago na Inglaterra?

Pode ser que a osteopatia tenha sobrevivido e crescido no Reino Unido por causa do seu raciocínio clínico e fundamentação científica?

Porque é que as clinicas privadas preferem fisioterapeutas com pequenas formações em acupuntura do que Acupuntores com formações mais extensas?

Estará o problema associado com a fraca formação científica dos Acupuntores?

Com anos de estudo em tradicionalismos pouco eficazes e esoterismos irrelevantes, numa dimensão músculo-esquelética?

O problema está nos fisioterapeutas aprenderem acupuntura para tratar patologia músculo-esquelética ou nos acupuntores que não sabem tratar patologia músculo-esquelética?

O exemplo da Tendinte

Muitos fisioterapeutas analisam a tendinite numa perspetiva anatómica com guidelines de intervenção devidamente sustentadas.

Os osteopatas tem um conjunto de técnicas altamente eficazes direccionadas por um raciocínio biomecânico avançado.

Muitos acupuntores pensam em sistema holográficos imaginários, cujos resultados se devem a efeitos não especifícos da acupuntura, ou em tratar síndromes "energéticos", cuja análise semiológica é totalmente desfasada daquela que é necessária ter para tratar um problema músculo-esquelético.

O problema está nos fisioterapeutas? Nos osteopatas? Nos acupuntores? Ou no destruidor da classe?

Vender um slogan para condenar um bode expiatório

Até 2018, de cada vez que aparecia publicidade a um curso intitulado “acupuntura para…” surgiam críticas e promessas de perseguição legal a todos os envolvidos.

E acusavam-se sempre os mesmos bodes expiatórios. Eu mesmo!

Mas quando surgiam cursos com o nome de "eletrólise percutânea" ou "punção seca segmentar" não se houvia ninguém.

O que significa que os acupuntores que vendiam esses slogans de "defesa da classe" e "destruidor da classe" não faziam ideia do que é acupuntura ou do que deviam defender!

As melhores formações em acupuntura a ser ensinadas a profissionais de saúde estão a ser feitas com outros nomes, mas ninguém fica indignado.

E só depois de ter publicado este artigo, pela primeira vez em 2018, é que alguns começaram a denunciar estas formações.

Ainda hoje encontro terapeutas que não sabem em que consiste a eletrólise percutânea ou acham que não é acupuntura!

Muitos acupuntores estão a apontar bodes expiatórios e a espalhar a indignação e o medo com base em slogans e não na proteção da classe.

É uma mensagem sem conteúdo, promotora de divisionismos contraproducentes e que demonstra falta de capacidade de compreender as dinâmicas sociais atuais e propor caminhos que permitam um crescimento profissional sustentável.

Há anos que o medo é usado como arma de relações públicas em acupuntura… contra os próprios profissionais.

Os verdadeiros problemas da classe

Existem muitos problemas associados à nossa classe. Alguns são próprios da acupuntura e outros são comuns a uma série de profissões.

São problemas graves e, ou não são discutidos, ou são discutidos de forma tão superficial que não geram nenhuma resposta duradoura ou solução eficaz.

Formação...

O primeiro destes problemas está claramente associado à nossa falta de formação técnica e científica.

Ninguém quer aceitar isto, muito menos em público. Mas é dos principais problemas que existem. Podem odiar-me por admitir este problema em público mas isso não o resolve.

Muitas críticas de céticos anti-TNC estão associadas a uma visão mágica do mundo publicitada por muitos acupuntores ou até a posições sobre assuntos como a vacinação que mostram um bias anti-ciência grande.

O tipo de formações que se vende aos acupuntores é outro exemplo: energias, deturpações de conceitos chineses, sistemas holográficos imaginários, mestres fantásticos com métodos milagrosos, etc…

Mas como lidar com estes problemas quando nem se aceitam críticas em privado?

Quando as críticas são válidas se enderaçadas a uma instituição “inimiga" em vez da classe como um todo?

Quando qualquer crítica é vista como uma ofensa ao que os “mestres” dizem?

Quando qualquer inovação ou argumento mais progressivo é visto como menosprezo pela tradição e conhecimento milenar?

A punção das energias

A maior ironia de todas é que tem sido a incompetência e ignorância dos que "defendem a classe" que mais tem beneficiado outras profissões de saúde. Factos? Estão à vista de todos.

Em primeiro lugar o uso e abuso de termos esotéricos como "medicina energética" que nada tem a ver com acupuntura.

A venda de uma acupuntura com "pontos energéticos" permitiu que muitos profissionais de saúde pegassem em formas de acupuntura contemporânea e as começassem a diferenciar da acupuntura.

Também é a base de ataques de céticos contra a nossa área. Vender a acupuntura como a "punção em pontos específicos do corpo para regular as energias em canais energéticos" foi o maior ato de ignorância que os acupuntores ocidentais poderiam ter feito.

O segundo grande erro foi o completo desprezo por abordagens contemporâneas em detrimento de abordagens mais "holisticas"!

Os mesmos acupuntores que ficam ofendidos por ver outros profissionais aprender punção seca são os mesmos que desprezaram a punção seca porque não "regulava energias" ou "não via o doente como um todo", etc...

Então porque é que estão chateados que outros profissionais aprendam essas técnicas?

O problema aqui é ter fisioterapeutas a fazerem punção seca ou acupuntores que não sabem fazer punção seca?

O problema é ter fisioterapeutas a fazer eletrólise percutânea ou acupuntores que não sabem fazer acupuntura elétrica?

Enquanto professor de acupuntura clinica fui o único profissional, a introduzir técnicas de acupuntura contemporânea em currículos de cursos de acupuntura tradicional.

Nada mau para o destruidor da classe!

Capelinhas e isolacionismo...

Outro problema tem a ver com uma característica social própria dos portugueses: excesso de capelinhas.

Na acupuntura, as capelinhas começaram com escolas separadas, passaram para a internet com a criação de sites e fóruns e evoluíram nas redes sociais.

Cada grupo novo que aparece tem como objetivo teórico defender a classe e consequência prática de atacar outros grupos.

Não se observa na osteopatia, a necessidade de ter tantos grupos do facebook como nos acupuntores, nem os ataques constantes que se observam na acupuntura (e isto não significa que não existam vozes discordantes).

Estas capelinhas condicionam uma mentalidade isolacionista que procura a discórdia e o conflito ao mesmo tempo que não consegue endereçar os problemas atuais que vão definir o nosso sucesso futuro.

Distraímos o público com bodes expiatórios para esconder o facto que não temos soluções para os problemas.

É a economia… entre a procura e a oferta

Antes de se começarem a dar cursos de "acupuntura para fisioterapeutas" falava-se em bolhas inflacionárias no mercado da acupuntura.

A dada altura, acupuntores estabelecidos, tiveram de começar a competir com outros acupuntores que davam consultas a 10€.

Cursos de fim de semana em salas de hotel começaram a encher o mercado de muitos profissionais pouco qualificados.

Querem uma nova ironia? A maior parte dos acupuntores que defende a classe contra o "destruidor da classe" formaram-se nestes cursos de fim de semana!

Mas a maior ironia é a evolução dos argumentos destes colegas.

Há uns anos, quando mostrei desacordo com "licenciaturas" de fim de semana, fui atacado por muitos colegas, com analogias neo-liberais simplistas acerca da capacidade de escolha do mercado.

O mercado escolhe os melhores profissionais e quem não concordar é um verdugo, uma má pessoa, um covarde que tem medo da concorrência.

Ironicamente as mesmas pessoas que defendiam essa ideia, agora queixam-se porque o mercado está a deixá-los para trás.

Porque existe uma nova oferta no mercado baseada na integração de técnicas, com profissionais mais qualificados como são os fisioterapeutas ou os osteopatas.

Dos acupuntores que vendem bodes expiatórios nenhum mostrou visão ou apresentou soluções para combater a falta de formação científica nestas áreas ou providenciar os seus colegas de conhecimentos e visão que os tornem competitivos.

Para muitos é mais fácil arranjar um bode expiatório e inventar um destruidor da classe, que lidar com as suas próprias fraquezas.

Problemas e soluções: a perspetiva do destruidor da classe

Enquanto classe profissional e profissionais liberais, os acupuntores, enfrentam muitos desafios externos, sendo um deles a invasão de competências técnicas.

Mas este não é um desafio único dos acupuntores nem é existencial.

Profissões como fisioterapia, fisiologia de exercício, acupuntura e osteopatia encontram-se num processo de evolução convergente uma vez que as suas técnicas são altamente complementares e a população-alvo a mesma.

As pressões que os profissionais de saúde liberais sofrem, implicam que tem de integrar técnicas e inovar e atualizar a sua abordagem clínica.

E as soluções estão à vista:

1 - formação cientifica e técnica;

2 - integração de técnicas e troca de conhecimentos;

3 - desenvolvimento de competência extra-clinicas como gestão e marketing, por exemplo.

O que nos leva aos acupuntores. Se os fisioterapeutas e os osteopatas estão a faze-lo porque razão é que os acupuntores se encontram tão isolados?

Neste momento, os acupuntores são uma classe onde o conhecimento tradicional e esotérico impera acima de qualquer crítica, fechada em lutas de capelinhas e sem capacidade de adaptação.

Nestas circunstâncias convém sempre ter algum bode expiatório!

Conclusão sobre o destruidor da classe e papões invisíveis

Como profissionais liberais temos muitos desafios sociais e profissionais pela frente.

Saber reconhecer esses desafios e criar respostas inteligentes para os mesmos vai definir o nosso futuro.

Por exemplo, porque razão nos associamos aos osteopatas quando queremos uma lei aprovada mas não nos sabemos associar para trocar conhecimentos?

Enfrentamos os mesmos desafios profissionais. Porquê faze-lo em separado?

Não existe nenhum destruidor da classe. O papão é imaginário. O destruidor da classe é o resultado direto daqueles que arranjam desculpas porque nunca conseguiram obter resultados.

Mas existem uma série de problemas graves que estão a ser desprezados.

Os bodes expiatórios servem para esconder a incompetência e falta de visão daqueles que se auto-anunciam como defensores e mártires da profissão.

Para os acupuntores mais novos, a minha mensagem é muito clara: o futuro está nas vossas mãos.

Se preferirem modelos de pensamento mágico, isolacionismo sócio-profissional e procura de bodes expiatórios para explicarem o vosso insucesso e justificarem os vossos medos são livres de o fazer.

Mas existem outros caminhos.

Podem focar-se na formação científica e técnica, na troca de conhecimentos e experiências com outros profissionais, no estudo de competências transversais como gestão de empresas e marketing.

O futuro está nas vossas mãos.